A pior maldade que a justiça pode cometer é penalizar um inocente, depois de uma confissão obtida sob tortura ainda mais quando se trata de acusado pobre, suspeito de crime grave com grande repercussão na mídia.
Imagine quatro jovens ficarem preso por dias, supostamente inocentes torturados por policiais, em diversas delegacias, que lhes aplicam vários métodos de tortura, como choques elétricos, espancamentos, asfixia com saco plástico; além disso, serem obrigados a fazer sexo oral entre eles.
Uma barbárie. Crime sexual, que causa grande comoção; repercussão na mídia, que funciona como grande pressão para que a polícia desvende.
Logo vem à ordem. “Prendam os suspeitos do biótipo de sempre”. Se há suspeita de um homicídio depois de um crime sexual, a polícia já inicia a investigação contra os suspeitos habituais. O miserável é um suspeito nato, se for pobre, negro ou prostituta então...
O sujeito logo está preso, falta apenas uma mera formalidade: a confissão do suspeito. Ah, mas “bandido não confessa na boa”, é preciso uma “dura” nele. Daí em diante o suspeito troca a tortura por uma confissão.
Sob a ótica de muitos desses ditos “policiais”, a tortura não é tão grave assim, pois é ela que permite prender alguém que fez algo tão grave, “e o meu chefe vai dar entrevista na televisão”.
A força policial é a única das instituições nacionais que não foi reformada após o fim da ditadura.
A população brasileira vive um período que custa muitas vidas, pois desde 1988 com a constituição, passamos da ditadura para a democracia, as instituições nacionais estão se modernizando ao novo contexto, que é marcado pelo respeito às liberdades individuais e aos direitos civis. Por mais absurdo que seja, uma instituição foi esquecida na cegueira do passado autoritário: a polícia.
A violência despótica contra negros e pobres, a tortura, a chantagem, a extorsão, a humilhação cotidiana e a ineficiência no combate ao crime sobretudo quando os criminosos vestem paletó e gravata. Claro que há e sempre houve milhares de policiais honestos, corretos, dignos, que tratam todos os cidadãos com respeito.
Com raras exceções regionais, continuam a funcionar como se estivéssemos sob um regime de apartheid social em benefício da segurança das elites, a polícia permanece prisioneira dos anos do coronelismo de chumbo e organizada para defender o Estado e não os cidadãos.
A conseqüência é a degradação institucional da polícia e corrosão de sua credibilidade, ineficiência investigativa e preventiva, ligações perigosas com o crime organizado e desrespeito sistemático aos direitos humanos. A polícia está esquecida pelo processo da transição democrática, a dinâmica é parecida com a neuropatia.
É necessário salvar a polícia, torná-la contemporânea do presente e reinventá-la para o novo contexto social e globalizado. Para que essa virada profunda aconteça a Polícia Civil terá de ser inteligente amparada por um estatuto avançado e dotada de plena autonomia. A confiança da sociedade terá de ser reconquistada e o controle da corrupção será o grande alvo, a PM terá de cortar seu elo maternal com o Exército, adaptar seu regimento disciplinar ao nosso século e atribuir prioridade ao trabalho comunitário e à prevenção, ambas as corporações se unindo para diagnosticar os problemas da sociedade com planejamento estratégico.
A divisão entre as instituições de segurança deverá ser suprimida, poderá haver uma, duas ou muitas polícias. O problema não está no número está na desunião do trabalho policial. São necessários que todas as polícias e força de segurança cumpram as tarefas ostensivo-preventivas e investigativas, os salários dos policiais terão de respeitar a importância de sua atividade, o governo deve ainda viabilizar o cumprimento da lei que autoriza o acumulo de função.
Com relação ao futuro, pode-se dizer que sempre existirá a polícia, ao mesmo tempo, o desencantamento da população pode voltar-se contra o atual tipo de segurança , seja ela civil ou militar. Penso que ainda haverá uma intensificação do volume de crimes, especialmente nos países que estão se modernizando rapidamente como o Brasil e a população especialmente a jovem está cada dia mais culta e revoltada com a inércia das autoridades.
Desse modo, a polícia do futuro ou o futuro da polícia inclui o desenvolvimento de uma polícia unida, que daria conta da prevenção dos crimes e da segurança pública. É a existência da polícia cooperativa que permite historicamente compreender a evolução da polícia. Se isso não ocorrer logo, a polícia privada substituirá a polícia pública num futuro próximo.
ISRAEL BRITO, Investigador de Polícia no Paraná, Graduado em Geografia e Pós-Graduado em Gestão Ambiental.
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