Alessandro José Fernandes de Oliveira, procurador da República, é procurador-chefe substituto do Ministério Público Federal no Paraná
A série de reportagens intitulada “Crime sem castigo”, publicada pela Gazeta do Povo trouxe à baila o problema da (in)eficiência investigatória. Pretendemos desvelar um ponto por vezes relegado a segundo plano na práxis policial, vale dizer, a necessidade, por parte das corporações policiais e seus agentes, de uma postura finalística diante das ocorrências – o que denominamos necessidade de interação funcional entre as “polícias”.
Não que um agir finalístico seja solução mágica para os problemas relacionados à segurança pública, mas por certo contribuiria com o cotidiano forense, haja vista que os limites jurídicos de atuação das polícias, para além de vaidades e disputas por “microespaço” de poder, poderiam constituir importante ponto de partida para um agir cooperativo e integrado.
É possível distinguir, no gênero “polícia de segurança pública”, alguns grandes campos de atuação policial, dentre as quais mais nos interessam a chamada Polícia Criminal, funções policiais que orbitam na categoria “ilícito penal”.
A Polícia Criminal se desdobra em três funcionalidades. Uma função preventiva; uma repressiva imediata; e, por fim, uma função voltada à apuração da infração penal (impropriamente chamada de Polícia Judiciária). Funções essas cronológica e funcionalmente ligadas.
A eficiência da prevenção tem relação inversamente proporcional à necessidade de apuração de infrações penais. As ditas atividades repressivas imediatas são as posturas institucionais adotadas na recém ocorrência de um delito, na categoria jurídica “situação flagrancional”, a cuja efetividade, muitas das vezes, estão atreladas à eficiência e à eficácia da apuração da infração penal, a fortiori, esclarecimento dos fatos penalmente relevantes.
Embora ordinariamente incumbência das Polícias Militares, acionadas pelo modal “190”, todos os agentes policiais estão incumbidos das atividades iniciais diante da ocorrência delitiva, afinal, “qualquer do povo poderá e as autoridades policiais deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito” (art. 301, Código de Processo Penal).
Dentre os escopos da fase de repressão imediata, releva o acautelamento das provas (medida preparatória inicial para a investigação propriamente dita).
No acautelamento das provas reside a supremacia da interação funcional a que estamos nos referindo. Espera-se do agente policial que primeiro se depara com um aparente fato criminoso a adoção de medidas, necessárias e suficientes, para que a autoridade policial possa ter condições para uma adequada apuração. Disso muitas vezes depende o sucesso da investigação.
Na “reconstituição” de uma ocorrência criminosa, quanto mais temporalmente próximo o fato, maiores as chances de seu esclarecimento, porque maior o contato com as fontes de provas.
Falamos em esclarecimento dos fatos, pois, em um Estado de Direito Democrático, não se buscam “culpados”, senão o esclarecimento das circunstâncias penais de relevância, signifique ou não a punição do agente.
Inúmeras são as ações penais ou, antes disso, os inquéritos policiais inconclusivos diante da impossibilidade de se buscarem os elementos probatórios que estavam “flagrantes” quando da chegada da primeira equipe ao local do crime. Inúmeras perícias deixam de ser realizadas ou tornam-se inviáveis por um isolamento/preservação mal procedido. Inúmeras testemunhas somente são acessíveis no calor dos fatos, quando mais facilmente podem ser identificadas e arroladas. E assim por diante.
O que estamos querendo dizer é que, mesmo não havendo hierarquia entre as corporações policiais, no campo criminal elas estão funcional e cronologicamente ligadas, de forma que a eficiente atuação de uma está ligada à eficiência de outra. Em outras palavras, o “sucesso” de um está atrelado ao sucesso do outro.
O mesmo raciocínio na relação entre a polícia encarregada da apuração (Polícia Federal e Polícias Civis) e o Ministério Público, destinatário do inquérito policial e órgão encarregado de promover a ação penal pública.
Uma adequada atuação inicial significa maiores chances de adequada apuração da infração penal ou das circunstâncias de um fato criminalmente relevante, dando maior segurança jurídica (maiores elementos) para que o promotor de Justiça (estadual) ou procurador da República (Federal) forme a chamada opinium delicti.
São também atividades cronológica e funcionalmente atreladas que, quanto mais harmônicas, mais se aproximarão de um ideal de justiça criminal.
Em conclusão: toda a atividade policial, no espetro de uma Polícia Criminal, deve ter essa visão finalística, de forma que quanto maior for a eficiência do antecedente, com vistas ao consequente, maiores as chances de esclarecimentos dos fatos de relevância penal. Quanto maior a eficiência das atividades inibitórias, menor a necessidade de acionamento do aparelho persecutório (penal), porém, a partir da ocorrência delitiva, quanto mais eficiente a adoção das medidas imediatas de preparação, maiores as chances do esclarecimento dos fatos (investigação) e mais condições jurídicas terá o Ministério Público em promover o arquivamento ou apresentar uma causa penal, enfim, “promover a justiça”.