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Mudança bem-vinda

Mudança bem-vinda

18/02/2015

Na semana que passou tivemos uma ótima notícia vinda do Rio de Janeiro. Sua Polícia Militar decidiu instituir acarreira única. Mais detalhes aqui.
Não é pouca coisa. Trata-se de romper um dos paradigmas mais consolidados da cultura policial brasileira. E a verdade é que romper paradigmas é o único caminho que pode conduzir a algum resultado positivo quando se trata de melhorar a nossa segurança pública. Pensar “fora da casinha”, certo?
Vejam. O modelo atual prevê duas portas de entrada nas polícias. Há um concurso para a base (investigador, escrivão ou papiloscopista nas polícias civil e federal, e praça, na militar) e outro, diferente, para a cúpula (delegado e oficial, respectivamente).
Ou seja, cada polícia tem duas carreiras distintas, incomunicáveis entre si. Isso representa uma distorção de efeitos terríveis. Já não basta que temos duas polícias, cada uma devendo fazer a metade de um trabalho que é único, com todas as complicações que isso representa (bancos de dados distintos, retrabalho, falta de cooperação, rivalidade, etc.). Ainda precisamos ter, para piorar, duas polícias dentro de cada uma delas!
A primeira consequência negativa é a falta de unidade e interação entre profissionais que devem trabalhar em equipe. Isso graças ao que os mais ácidos costumam chamar de “concurso para chefe”. A pessoa já inicia sua carreira em postos de comando. Convenhamos, uma aberração. Tanto que só existe no Brasil.
Um delegado em início de carreira comanda investigadores que já estavam na polícia, enfrentando o dia-a-dia nas ruas, quando ele nasceu! Do mesmo modo na polícia militar, jovens aspirantes a oficial de 24, 25 anos, saem da academia dando ordens a sargentos com mais de 30 anos de experiência!
Não pode, claro, resultar boa coisa. E não resulta. Esta é a segunda consequência negativa, decorrência direta da primeira. Os policiais civis desprezam os delegados, a quem não consideram como policiais autênticos. E são por eles plenamente correspondidos, com frequentes e habituais abusos de poder.
No meio militar é ainda pior. A hierarquia rígida gera forte discriminação, dos oficiais, carregados de privilégios, sobre as praças (soldado e sargento, principalmente), cujo único direito, segundo aqueles, é o de “obedecer sem discutir”.
Relatos de humilhações, assédio moral, e mesmo tortura, são frequentes. Vai daí que as praças nutrem pelos oficiais um ressentimento que muitas vezes se confunde com verdadeiro ódio.
Ora, em toda organização, policial ou não, é sabido que quem começou por baixo reúne melhores condições de comandar, quando ascender ao topo. A experiência do dia-a-dia do trabalho prático fornece ao profissional a visão completa de que vai precisar quando tiver que dizer aos que o exercem a melhor maneira de fazê-lo.
No mundo todo os chefes de polícia iniciaram suas carreiras fazendo rondas no quarteirão, ou patrulhando as ruas. No Brasil é exatamente o contrário! Quem faz ronda e patrulha jamais poderá chegar ao comando.
E os que lá chegam, são necessariamente aqueles a quem falta a experiência prática da atividade-fim de sua profissão.
Um absurdo evidente. Mas mesmo assim vinculado à cultura policial nacional, e aceito com naturalidade. Como se fosse banal.
Isso é o pior dos mundos. Quando nos acostumamos com uma aberração a ponto de considerá-la normal, é que já estamos à beira do precipício.
É essa a barreira que a PM do Rio de Janeiro acaba de quebrar.
Lá, daqui por diante, todos entrarão pela mesma porta, e no mesmo lugar. No decorrer da carreira os mais capazes, os que mais estudarem, os que mais se destacarem, subirão aos postos de mando. Quando lá chegarem, terão duas vantagens insubstituíveis. Conhecerão todos os aspectos de sua profissão, e terão convivido com seus comandados em condições de igualdade, enfrentando juntos os mesmos desafios.
Claro que essa mudança, tão significativa, não caiu do céu. Ela é uma das consequências, já claras, de que a consciência nacional como um todo finalmente se convenceu de que não é possível continuar tudo como está, há tanto tempo, sem resultado.
A esperança, agora, é que a coragem dos cariocas se propague aos demais Estados.
Tenho certeza de que você está se perguntando: então, isso vai resolver o problema da criminalidade no Brasil?
Na minha opinião, não. Ajuda, mas não basta.
É uma medida importante, talvez até mesmo revolucionária. Mas nem por isso suficiente. Há inúmeros outros paradigmas, tão sólidos e decisivos quanto este, ou até mais, esperando para serem quebrados.
E só quando os enfrentarmos com a mesma coragem é que poderemos almejar ver uma pequena luz no fim do túnel.
Podem ter certeza de que, ao longo das nossas conversas, todos eles vão acabar aparecendo por aqui, um dia ou outro.

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